Por trás da cena – Rio 40 graus

Primeira produção do canal HBO no Brasil revela o submundo do Rio de Janeiro sob a ótica de Mandrake, o herói-malandro de Rubem Fonseca

Por Adriana Ferraz
Fotos Divulgação

Se a mídia não publicasse que a última série transmitida pela HBO no Brasil era uma produção própria do canal, o telespectador certamente não perceberia esse “detalhe”. “Mandrake” é uma atração genuinamente brasileira, com todos os elementos necessários para não deixar dúvida. Para começar, o personagem-título, baseado nos contos do escritor Rubem Fonseca, é interpretado por um carioca da gema: Marcos Palmeira, galã global de talento e malícia inquestionáveis.

Para assumir o papel, Palmeira teve de abrir mão de um contrato estável e confortável com a TV Globo. Palmeira trabalhou ao lado de uma equipe fixa de atores, encabeçada por ele e completada por Maria Luisa Mendonça, Luiz Carlos Mièle, Marcelo Serrado, Virgínia Cavendish e a estreante Érika Mader, que traz a força do sobrenome da tia Malu. Nos episódios figuram, ainda, nomes e rostos bem conhecidos do público, como Daniel Dantas, Márcio Garcia, Betty Lago, Taumaturgo Ferreira e Evandro Mesquita, além de Suzana Alves (ela mesma, a “Tiazinha”) e o truculento Alexandre Frota, que parece fazer o papel dele mesmo.

O primeiro produto brasileiro da HBO Ole Originals é resultado de uma parceria estabelecida com a Conspiração Filmes, que deu vida e qualidade ao projeto. A produtora de cinema, publicidade e televisão comandada pelo diretor José Henrique Fonseca – filho de Rubem Fonseca –, recrutou outros cinco cineastas para viabilizar o programa: Toni Vanzolini, Lula Buarque de Hollanda, Cláudio Torres, Arthur Fontes e Carolina Jabor.

O roteiro, assinado por Tony Belloto, Felipe Braga e Fonseca, apresenta histórias regadas a sexo e violência, normalmente ambientadas no submundo carioca, território vastamente conhecido pelo advogado criminalista que dá nome à trama. Sedutor e inteligente, Mandrake circula com desenvoltura entre a alta e a baixa classe do Rio de Janeiro. Boêmio, ainda encontra tempo para colocar a conversa em dia com os amigos em uma tradicional mesa de bar e desfrutar do que mais ama na vida: as mulheres.

A primeira temporada chegou dividida em oito episódios, de 50 minutos cada, e rendeu opiniões favoráveis e contrárias entre os telespectadores. Preferências e gostos à parte, a série, rodada em película com um investimento divulgado de R$ 6,7 milhões, traz qualidade visual ao mercado brasileiro.

Fotografia carioca

“Purgatório da beleza e do caos”. O verso eternizado pela cantora carioca Fernanda Abreu poderia, facilmente, ser tema de abertura da série, que aborda exatamente os dois mundos da “cidade maravilhosa”. Para o produtor executivo e vice-presidente da HBO Latin América Group, Luis Peraza, a história a ser escolhida pela empresa teria de refletir o universo brasileiro – de forma a ser apropriada ao público local e, ao mesmo tempo, oferecer elementos dramáticos e universais, com tramas humanas que pudessem ser assimiladas por telespectadores de todo o mundo. “O projeto foi escolhido por apresentar histórias intrigantes e sedutoras. O alto nível da produção e a dedicação de toda a equipe certamente farão desta uma série de muito sucesso”, comemora Pereza.

Por falar em produção, a atração contou com o trabalho de 400 profissionais, entre elenco, diretores, roteiristas, produtores e equipe técnica. Ao todo, cerca de 200 locações foram utilizadas em mais de quatro meses de filmagens. A cidade do Rio de Janeiro, muito presente na obra de Fonseca, teve de ser inserida na trama como uma espécie de “personagem”. Para o produtor Rômulo Marinho, a escolha dos locais teve o intuito de mostrar a capital carioca como ela é. “O conceito da fotografia foi tentar retratar um Rio vivo, colorido, com as cores que as lâmpadas da prefeitura oferecem: verde, amarelo e, em alguns lugares, azul. Enfim, os fotógrafos Gustavo Hadbba e Paulo Souza, criaram, com maestria, um clima noir tropical, no qual uniram o Rio cheio de glamour ao Rio decadente e cafona”, diz o diretor.

Para os takes internos, nada de estúdio. A equipe optou por usar locações fixas, interagindo com o espaço como cenário. O apartamento do Mandrake, por exemplo, foi alugado por seis meses e submetido a um período de obras necessárias para as filmagens. Depois, tudo teve de ser refeito, já que o proprietário não queria o imóvel do jeito que havia ficado. Apesar do trabalho, o resultado foi considerado satisfatório para os diretores. “Isso tudo nos permitiu, além de uma veracidade, um conforto e uma continuidade de luz muito bem-vindos.”

Parceria internacional

A parceria pioneira foi prontamente acertada entre HBO e Conspiração quando o projeto de “Mandrake” entrou em pauta. Segundo o diretor geral, José Henrique Fonseca, na época em que a produtora foi procurada, a idéia de se fazer um programa sobre os contos de Rubem já estava nos planos. “Sempre acreditamos que o personagem daria uma boa série, tanto que havíamos formatado o projeto há cinco anos”, diz.

Para sair do papel, a série contou com um investimento de peso. A HBO pôde viabilizar o trabalho pelo mecanismo de incentivo de impostos, que visa estimular coproduções entre programadores estrangeiros de TV por assinatura e produtoras independentes brasileiras, em vigor desde 2002. O valor empregado – extremamente alto para a maioria dos produtores nacionais –, é justificado quando se considera o tipo de material utilizado: película de Super- 16mm (tendo sido, a captação, realizada por meio de uma câmera Arriflex SR2 e filme Kodak 500T).

De acordo com os realizadores, o formato do produto não foi uma questão de escolha, mas uma política adotada por ambas as empresas. Quando se calcula que “Mandrake”, em sua primeira temporada, apresenta oito episódios na forma de telefilme, o custo (de R$ 6,7 milhões) parece perder valor. Fonseca explica: “Usamos profissionais da área de cinema e publicidade acostumados a receber mais do que receberam na série, mas que se envolveram por causa do ineditismo de um produto como esse no Brasil.”

A parceria deu tão certo que, para a próxima temporada – ainda em estudos –, a equipe deve permanecer a mesma. “Não acho que exista outra opção. Tivemos uma relação muito harmoniosa e cúmplice com Luis Peraza, e com o canal de uma forma geral. Cumprimos os prazos e filmamos dentro do orçamento proposto. Enfim, não vejo porque, se houver uma segunda temporada, a Conspiração não estar envolvida no projeto”, afirma Fonseca. A notícia é muito bem-vinda pelas classes artística e técnica do Brasil. Com a estréia de “Mandrake”, mais um nicho de mercado se abre aos profissionais do audiovisual brasileiro.

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