DIFICULDADES DO CINEMA NACIONAL

Acompanhe os bastidores do longa “Sem Fio” de 2009 que foi feito com muito conhecimento de causa e “vontade de fazer”. Tiaraju Aronovich subverteu as regras de produção locais e realizou um longa-metragem surpreendente

 

Por Eduardo Torelli

 

Matheus Nachtergaele considerou Sem Fio “um dos projetos mais ousados que já viu”. O Presidente da Paris Filmes, Sandi Adamiu, definiu o longa como “um novo Terra em Transe”. E Beto Rodrigues, sócio-diretor da Panda Filmes, o comparou a Trainspotting, Snatch – Porcos e Diamantes e a outros petardos do cinema inglês lançados nos últimos anos.

Uma espiada nos bastidores da produção revela qual é o “espinafre” que dá força a seus músculos, apartando-o de outros dramas urbanos rodados na retomada – que até abordaram temáticas semelhantes às de Sem Fio (o choque das contradições sociais, o fascínio exercido pela violência e pelo crime etc.): nada no projeto se encaixa nos padrões de realização brasileiros – da captação de recursos à preparação de atores, passando pela finalização e a divulgação. De ponta a ponta, Sem Fio é autêntico “cinema de guerrilha”, mas o resultado, longe de ser hermético, é pleno de possibilidades comerciais.

 

TRAMAS INDEPENDENTES

O filme tem um “quê” de Robert Altman, com tramas independentes que, aos poucos, vão se conectando. Mergulhamos nos universos da classe média brasileira e da periferia e testemunhamos os limites da humanidade e da crueldade. Um purgatório habitado por gente excêntrica e perigosa, como Castro, viciado em cocaína e interpretado por Nasi (da banda Ira!, surpreendendo em sua estreia como ator), e o campeão de lutas clandestinas, Juliano (o próprio Tiaraju, simplesmente irreconhecível no papel), que se equilibra entre a redenção e a danação no ringue (onde é um herói e um exemplo de retidão) e nas ruas – onde comanda uma gangue de ladrões de celulares. São anti-heróis com escolhas a fazer: e elas serão definitivas, selando seus destinos.

Sem Fio também é uma produção com nada menos que 80 atores em cena (sem contar os figurantes), possui momentos de ação dignos de qualquer blockbuster e teve sua captação feita totalmente em vídeo digital de alta definição (o equipamento empregado foi uma JVC GY HD 110U). E mais: concluído sem qualquer incentivo público. A questão é: como mover uma estrutura assim (com direito a equipe de dublês, coreografias de luta e árduo trabalho de pós-produção) sem apelar aos concursos e editais?

Entra em cena a política de realização da Reticom Filmes e Escola de Cinema – dois núcleos interligados que combinam aprendizado e prática, e no qual o primeiro ensinamento é: “não espere sentado até que as oportunidades caiam do céu; ao invés disso, batalhe-as!” O fundador da Reticom é o próprio Tiaraju, que, formado em cinema no Califórnia Institute of the Arts, em Los Angeles (EUA), retornou ao Brasil “seco” para pôr em prática o que aprendera. Lá fora, ele dirigira dois longas-metragens – mas descobriu que, em seu próprio país, a burocracia praticamente inviabilizava essa ambição.

Por força das circunstâncias, Tiaraju se viu obrigado a “criar” uma estrutura de produção, formando profissionais capacitados que o acompanhassem nesta jornada. A Escola de Cinema nasceu em 2005, sob normas rígidas: em primeiro lugar, optou-se por uma metodologia de ensino baseada na prática, não na assimilação de conceitos estéticos. Afinal, o objetivo era formar técnicos e realizadores, não críticos de cinema.

 

AÇÃO EM PERSPECTIVA

De acordo com Tiaraju, o “embrião” de Sem Fio foi uma série de roteiros que seu sócio – o fotógrafo, jornalista e músico, Vaner Micalopulos – desenvolvia já há algum tempo. Originalmente, a ideia era fazer uma trilogia com historietas enfocando as complexidades do relacionamento humano. A obra começou a se materializar quando Micalopulos e Tiaraju uniram forças. E a combinação de seus talentos, assim como uma série de decisões criativas tomadas em comum-acordo, resultou em um filme único. As tramas idealizadas por Vaner foram condensadas em um enredo maior, complementado por histórias escritas por Tiaraju e por Nill Santos.

O visual da produção foi definido por Tiaraju e Vaner antes da captação começar. Houve muito debate sobre a estética das cenas – todas seriam feitas no Estado de São Paulo, mais precisamente, no bairro de Higienópolis, no centro velho da capital, em Carapicuíba e em São Bernardo do Campo. O consenso a que se chegou foi o de que reproduzir a “dinâmica do olhar”, ou seja: “jogar” o espectador no meio da trama, por meio de quadros com muita perspectiva. Nada de enquadramentos “caretas” ou estáticos – a narrativa de Sem Fio seria movimentada e requereria total controle de profundidade, abusando de planos próximos. “Evidentemente, nem tudo saiu como o planejado e precisamos ‘compor’ parte do visual do filme na fase de montagem”, diz Tiaraju.

Mas como realizar a obra sem recorrer às leis de incentivo e recursos públicos? Tiaraju garante que isto é possível, sendo, a “prova” de sua tese, o longa-metragem Sem Fio. “Optamos por caminhos menos burocráticos e mais óbvios: a venda de cotas de aquisição do filme, além da prática de merchand, já consolidada na TV e na indústria cinematográfica de outros países”, revela. “Também contamos com patrocinadores que realmente desejam apoiar o cinema nacional, sem qualquer benefício fiscal. Entre estes, a Universidade Maurício de Nassau, no Recife, primeira a investir no projeto e, certamente, nossa parceira em filmes futuros.”

“Armados” com sua JVC GY HD110U, Tiaraju e equipe foram às ruas batalhar as cenas. O cineasta elogia o equipamento escolhido, classificando-o como “surpreendente”. Dentre os diferenciais da câmera, ele destaca a possibilidade de se trabalhar com outras lentes (e não adaptadores), o que sempre favorece a fotografia.

 

Assista ao trailer do filme que apesar dos anos ainda se mostra surpreendente em sua forma de produção:

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