WEBSÉRIES: UM CAMINHO VIÁVEL
Produzida “na raça”, série Romeu & Romeu já obteve mais de 300 mil visualizações na internet
Por Tristan Aronovich
O universo audiovisual brasileiro é sempre desafiador. Além das grandes produções, normalmente vinculadas a grandes estúdios e produtoras, a realidade do cinema independente parece ainda estar atrelada ao caminho tradicional dos editais (que tiveram grande crescimento nos últimos anos, mas que ainda são poucos e, de certa forma, burocráticos). No entanto isso não deve desanimar cineastas independentes, já que existe uma solução. A internet, que há muito se consolidou como principal meio de distribuição de conteúdo e informação, está sempre de portas abertas para quem tem coragem de se expor. E toda essa disponibilidade causou um fenômeno que vem se tornando cada vez mais forte no mercado brasileiro: as webséries. Como um forte meio de divulgação de trabalho e criação de portfolio, jovens atores e produtores audiovisuais (muitas vezes, amadores que levam o cinema como um hobby) têm se unido para produzir séries em formatos curtos e disponibilizá-las de graça no YouTube ou Vimeo. De tempos em tempos, alguma delas chama a atenção e se torna algo maior – é o caso de 3%, lançada em 2011 e que se tornou uma febre na internet, tendo sido recentemente comprada pela Netflix (para a produção de uma temporada exclusiva no serviço de streaming). Atualmente, um dos maiores destaques é Romeu & Romeu, websérie com dez capítulos anunciados (seis deles já foram lançados) e exibida no Canal Artweb, no YouTube.
Amor problemático
Romeu & Romeu adapta para os dias atuais o clássico shakesperiano Romeu e Julieta, mas traz a história para o universo LGBT: Ramon (João Mesquita) e Rômulo (Arthur Chermont) se apaixonam e vivem um amor problemático, por serem de famílias rivais. Entre os dramas de aceitação da sexualidade, o preconceito e os conflitos familiares, a história se desenrola de forma leve, mas muito verdadeira e representativa para o público em questão. O sucesso da narrativa se prova com as quase 300 mil visualizações que o conteúdo obteve até o fechamento desta edição (um marco invejável para esta mídia).
Mas é claro que levantar uma produção com qualidade técnica e artística tem percalços, principalmente quando falamos de produção independente, sem nenhum investimento. O projeto é realizado entre um grupo de amigos cineastas do roteirista e idealizador, Arthur Chermont, ao lado de Faell Vasconcelos, fundador do Canal Artweb. Nascido em Belém do Pará, Arthur veio para São Paulo para ampliar seu campo de atuação e para trabalhar na produção de conteúdos de qualidade e relevantes para o público. Os desafios do meio artístico o levaram a compreender que produzir seu próprio conteúdo era uma forma de garantir que cumpriria seus objetivos. Então, junto a Faell, escreveu os roteiros da série e passou a buscar uma equipe que a produzisse.
Arthur Chermont (que já foi aluno no Latin American Film Institute – LAFilm e que, hoje, é um dos principais professores e coordenadores da instituição) encontrou entre ex- alunos, professores do LAFilm e parceiros com quem já trabalhou em longas-metragens e em outros projetos uma equipe qualificada e disposta a encarar a parada. A direção foi entregue ao jovem realizador Jonathan Mendonça e a produção ficou a cargo da dupla Barbara Cury e Júlia Conatti (todos ex-alunos do Latin American Film Institute), que consolidaram um forte de time de frente.
Sem editais e patrocínios
“Trabalhar com pessoas que falam a mesma língua e que têm a mesma mentalidade de produção foi crucial para conseguirmos fazer a ideia acontecer”, conta Arthur. “Com mais de 50 profissionais (entre elenco e equipe) e com cinco meses de projeto, é quase um milagre que a série tenha acontecido dessa forma. As pessoas não acreditam que não há dinheiro de editais ou patrocínios envolvidos”.
A série conta com uma estrutura técnica digna de produções de grande porte. É quase inteiramente rodada com uma câmera HDSLR Canon 7D Mark II e diversas cenas contam com o suporte do DJI Ronin para estabilização de imagem e sequências em movimento, muitas vezes, realizadas em planos-sequência. No sexto episódio, uma complexa cena de violência acontece no meio da noite. Para garantir esta captação, os diretores de fotografia Airo Munhoz e Rafael Miani optaram por uma câmera que melhor se adapta a condições noturnas: a Sony Alpha A7s. E cenas dos episódios finais foram rodadas com o auxílio de um drone equipado com uma Panasonic Lumix GH4. Tudo isso, Arthur revela, “com o apoio de amigos que acreditaram no projeto e disponibilizaram seus equipamentos”.
Com tanta gente e equipamento envolvidos, a série chama atenção pelo cuidado com os detalhes e o look cinematográfico, somados às personagens sensíveis e verdadeiras criadas pelos atores. “Já ouvimos, muitas vezes, que não parece produção independente, que difere do que se costuma ver no YouTube e no Brasil”, diz Arthur, sobre as reações do público. “Acreditamos na mensagem e temos muito carinho por tudo o que estamos dizendo. Mas, mais do que isso, acreditamos no processo. Uma fotografia bem feita causa mais impacto, uma direção precisa, que respeita o processo do ator e colabora com ele, entrega mais verdade. E tudo isso é transmitido a quem assiste. Acredito que esta é a razão de tudo ter dado tão certo. Não é porque não temos dinheiro que a produção precisa ser mal-feita.”
Em busca de prêmios
A série, agora, percorre festivais brasileiros e internacionais. Já garantiu uma seleção oficial no International Webseries Trophy, festival online e independente dedicado ao conteúdo virtual. Também inscreveu-se no Rio International Webfest, único festival do segmento sediado no Brasil. E mira uma projeção internacional. “Trabalhamos com as mesmas técnicas que são usadas fora do Brasil”, conclui Arthur. “Construímos personagens e fomos dirigidos com base em técnicas de Stanislavsky, Meisner e Chekhov. Utilizamos os mesmos protocolos de gravação da indústria norte-americana. E depositamos tudo o que aprendemos nesse projeto – todos estão muito animados com a possibilidade de entrarmos em mais festivais internacionais!”
E confesso que eu também estou (além de orgulhosíssimo de ver tantos ex-alunos e “crias” do Latin American Film Institute produzindo algo tão bacana e que já atinge quase meio milhão de espectadores). É um projeto de grande qualidade e que compete em pé de igualdade com webséries do mundo todo. O que o futuro reserva a Romeu & Romeu não dá para prever. Mas, depois de assistir, automaticamente estamos torcendo para que essa equipe nos dê mais conteúdos do mesmo nível e produzidos no Brasil. Sucesso aos Romeus!
Tristan Aronovich é ator, músico e cineasta com formação na Harvard University e California Institute of the Arts. É professor do Latin American Film Institute (www.lafilm.com.br)