roteiro de cinema

Cinema na prática: o roteiro é o alicerce do filme!

Tudo começa com uma ideia… e uma história!

Por: Tiaraju Aronovich

Quando pensamos em “produção cinematográfica”, logo nos vêm à mente a cadeirinha do diretor, as câmeras, luzes, claquetes etc. Sim – mas isso não é o começo. Muita coisa acontece antes de uma equipe pisar no set: todo o trabalho de pesquisa, planejamento, organização, captação de recursos… Então, é aí que tudo começa? Quase… Precisamos ir ainda mais fundo.

Todo esse trabalho de organização e planejamento que juntamos sob a bandeira da chamada “pré-produção” pressupõe, antes de mais nada, que tenhamos um projeto em mãos, uma ideia, uma história! Afinal, toda a pré-produção é estruturada a partir de uma trama – ou, mais especificamente, de um roteiro. Sem um roteiro em mãos, não há muito a se fazer, já que é a história – o roteiro – que determina quantos personagens serão necessários, quais serão as locações e equipamentos adequados, quantos dias de gravação serão ideais e tudo o mais que será preciso organizar e viabilizar até o início da produção.

Todo filme nasce com uma ideia que acaba se transformando em um roteiro, e este é o “alicerce” para toda a produção. Sei que muitos leitores e novos cineastas podem ficar ansiosos em chegar logo aos truques e dicas da realização do roteiro propriamente dita, o que inclui os equipamentos. Mas seria um equívoco não falar da primeira – e, certamente, uma das mais importantes – etapa na realização de um longa. 

A importância da trama

Um artigo inteiro não seria suficiente para frisar a importância de saber desenvolver um bom roteiro! Ter um bom roteiro em mãos vale ouro: para que se tenha uma ideia do peso e da importância desta etapa, basta ler as críticas de cinema ou observar a reação do público ao assistir filmes. A que, exatamente, eles reagem? Quantas vezes você já foi ao cinema e ouviu, ao término da sessão, alguém comentar: “Gostei do filme, mas o tratamento de cor não estava adequado e a sonoplastia não ficou homogênia.”?

Ou ainda: quantas vezes leu críticas em jornais e revistas alegando que “os filtros utilizados na edição e as lentes escolhidas pelo fotógrafo determinaram o tom perfeito da obra”? Imagino que nunca, certo? Pois é: o público reage essencialmente à história que está sendo contada. Quando alguém diz que amou ou detestou um filme, geralmente se refere à história e à forma como esta foi transmitida e desenvolvida. Ou seja: está se referindo e reagindo ao roteiro!

Uma excelente professora que tive em Los Angeles, Nicole Panter (autora de um livro altamente recomendado sobre o assunto, “Mr. Right On”), costumava dizer que uma equipe de produção, mesmo inexperiente, com certeza alcançaria algum êxito se tivesse, como ponto de partida, um bom roteiro; já o contrário jamais aconteceria: se o roteiro for fraco ou ruim, mesmo uma equipe altamente qualificada estará fadada ao fracasso. Pode ser uma afirmação radical, mas não deixa de ser pertinente (ainda mais, proferida por alguém com o gabarito de Panter, que trabalhou em diversos estúdios de Hollywood). Portanto, todo o tempo que se gasta amadurecendo uma ideia e aperfeiçoando um roteiro nunca é demais.

Mas, afinal, o que é exatamente um bom roteiro – e como escrevê-lo? Para ter um bom roteiro é obrigatório contar com uma excelente história? Não – e este é um equívoco constante entre estudantes e roteiristas iniciantes. Um bom roteiro não é necessariamente uma boa história, mas uma história muito bem contada. Qualquer trama, por mais simples ou desinteressante, pode ser contada de mil e uma formas. E justamente nisto reside a técnica e a habilidade do roteirista: a arte de “como” narrar uma história. Uma piada qualquer pode soar engraçadíssima ou ser um fiasco total, dependendo da forma como é contada. Com roteiros, a coisa é muito parecida. É necessário dominar as técnicas e ferramentas narrativas para ter sucesso neste quesito e, consequentemente, redigir um bom roteiro.

O êxito do roteiro não depende da história e nem do gênero. É possível encontrar roteiros maravilhosamente bem escritos no drama, na comédia, na ação, no suspense, no horror etc. E mesmo documentários podem fazer excelente uso de roteiros bem estruturados.

        Vamos às vias de fato: como escrever um roteiro? Evidentemente, seria impossível “ensinar” tudo sobre redação de roteiros em um artigo – e nem é esse o nosso propósito. Esperamos, porém, fornecer dicas que sirvam como um bom alicerce para o trabalho de todos os aspirantes a roteiristas. E que também possam ser úteis a roteiristas mais experientes, como pontos de reflexão.

“Conheça seu ofício e crie referências”

Para que um músico/instrumentista tenha uma formação sólida e completa, é necessário escutar muita música, o que lhe dará um repertório rico em referências musicais para construir seu próprio “estilo”. O mesmo acontece com grandes pintores, bailarinos etc.: todos possuem ampla cultura no que tange seus ofícios. A tarefa do roteirista é a escrita, portanto, leia! Não apenas roteiros, mas literatura em geral. Para escrever bem é importante ler bem! De Machado de Assis a José Saramago; de Dostoievsky a Guimarães Rosa.

Se você almeja escrever, devore livros! Até a literatura especializada na área, ou seja, os livros “técnicos” sobre roteiros, serão aproveitados de outra forma se você possuir uma farta bagagem literária. Querer escrever roteiros sem antes ler é o mesmo que tocar um instrumento sem jamais ter ouvido música. E, para aqueles que já têm o hábito da leitura e procuram por fontes específicas, há dezenas de ótimos livros sobre redação de roteiros. Para mencionar apenas os clássicos e “hits” adotados em grande parte do mundo (e na maioria das escolas), cito os de Syd Field que podem ser facilmente encontrados na maioria das livrarias. No Brasil, o mais popular parece ser o “Manual do Roteiro”; mas há outros igualmente interessantes, do mesmo autor.

Conheça as regras do jogo

Escrever roteiros é uma arte específica e não tem nada a ver com escrever um livro, por exemplo. Neste caso, o escritor/autor reina soberano, já que a finalidade de sua obra é o livro per se. Ou seja: o que ele escreve já é o resultado e o propósito final daquela forma de expressão. Com roteiros, a coisa não funciona assim, pois estes, ao contrário dos livros, são o início, e não o fim. Depois de escrito, revisado e finalizado, um roteiro passará de mãos em mãos, por todas as pessoas da equipe. Cada profissional o lerá de forma diferente, com ênfase nos aspectos inerentes ao seu ofício.  Possivelmente, o roteiro sofrerá diversas alterações até que venha a ser gravado – e finalmente, montado e editado.

Em uma conversa com o exímio cineasta e montador Daniel Resende, o profissional, sabiamente, afirmou: “cada longa-metragem envolve, na realidade, três filmes diferentes: um que está no papel – o roteiro –, que acaba se transformando em outra coisa quando é gravado e, finalmente, resulta em um terceiro filme durante a montagem.” Dessa forma, por mais que a escrita pareça ser um trabalho solitário, um roteiro está envolvido em um processo extremamente colaborativo.

E para que este se desenrole da melhor forma possível, há uma série de regras a se observar. Engana-se quem pensa que elas limitam a criatividade ou a liberdade do escritor. Ao contrário: servem para auxiliar o trabalho da equipe como um todo – e isto, evidentemente, inclui o escritor. São muitas as regras técnicas e não nos cabe discuti-las em detalhes aqui; porém, vale ressaltar: o alicerce básico dessas normas se escora em dois pontos essenciais, a linguagem visual e a formatação, o que nos leva ao próximo tópico;

Linguagem visual

“Linguagem visual” talvez seja o mais importante conceito no que se refere à redação de roteiros. Diferentemente de livros ou de qualquer outra forma de escrita em poesia, prosa e por aí afora, onde tudo é permitido, em roteiros só é aconselhável escrever “aquilo que se vê”. Isto quer dizer que absolutamente tudo o que for abstrato – emoções, sentimentos ou pensamentos – deve ser evitado.

Frases como: “Túlio sorri, tomado de vibrante entusiasmo, por lembrar-se da manhã agradável no parque” podem funcionar maravilhosamente bem em prosa, mas não são práticas para um roteiro. O “vibrante entusiasmo” não é algo concreto, que possa ser objetivamente gravado. Além do quê, a audiência não conseguirá ver algo que está somente no pensamento de Túlio (a manhã agradável no parque). Como a audiência poderá saber o que leva Túlio a sorrir? Se o autor quiser revelar esta informação, terá de fazê-lo através de uma narração, ou de um diálogo; ou, ainda, de uma outra cena em que vejamos Túlio no parque. Do contrário, tudo o que a audiência verá será Túlio sorrindo.  

Após muitos anos dando aulas a centenas de alunos, notei que desenvolver a capacidade de escrever em linguagem visual é uma das maiores dificuldades no processo de aprender a roteirizar – já que, de uma forma ou de outra, todos estamos acostumados a escrever de maneira livre, incluindo todo tipo de abstracionismos ou elementos invisíveis ao olhar. Resumindo: é preciso sempre lembrar que a finalidade do roteiro é criar uma cena que será gravada e projetada na tela. Portanto, o melhor truque para cultivar a técnica de escrita em linguagem visual é sempre “visualizar a cena” na tela – e aí, escrever exatamente o que você viu. Foque na ação, naquilo que acontece, e deixe que as emoções e abstrações fiquem a cargo dos atores e da plateia que irá absorver tudo aquilo.

*Este e outros artigos especiais você encontra na edição 215 da revista Zoom Magazine

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