Curta-metragem independente "Ada", dirigido por Rafaela Uchoa

FUTURO SOMBRIO

Realizado em caráter independente, curta-metragem Ada, dirigido por Rafaela Uchoa, é ambientado em um Brasil distópico

*Por Eduardo Torelli / Fotos Milena Palladino

Além de entreter, o cinema fantástico pode ser uma forma de fomentar o debate sobre questões sociais prementes ou apresentar ao público novos pontos de vista acerca de determinados temas. Esta tradição vem desde os primórdios do cinema, considerando que filmes de ficção científica clássicos, como Daqui a Cem Anos (1936), já usavam a fantasia para estimular o público a refletir sobre mudanças tecnológicas que, então, influíam nos rumos da sociedade. Mais recentemente, séries como O Conto da Aia utilizaram narrativas “futuristas” para comentar o cenário político contemporâneo, disparando alfinetadas contra políticos ultraconservadores do mundo real.

        Realizado de forma independente, no melhor estilo “cinema de guerrilha”, o curta-metragem Ada, da cineasta baiana Rafaela Uchoa, surfa nessa onda para tecer comentários sobre a sociedade brasileira em tempos de polarização política. A diretora imaginou uma distopia bem brasileira, ambientada no ano 2030, e se inspirou na realidade para abordar, sob um prisma fantasioso, tópicos como o preconceito e a intolerância.

SEM FINANCIAMENTO

“Há algum tempo, eu sentia um grande incômodo com a tomada do poder pelos políticos evangélicos que colocam a Bíblia e seus valores pessoais à frente da Constituição”, diz a realizadora à Zoom Magazine. “Com a eleição do Bolsonaro essa situação só se acirrou”.

        A cineasta afirma que, ao escrever o roteiro da produção, tentou imaginar o que poderia ser a realidade do país dentro de dez anos, caso o ultraconservadorismo de alguns setores da sociedade se agrave. Ela também precisou adaptar o universo ficcional que idealizou às limitações de um curta-metragem. “Fazer esse recorte, para que a trama coubesse em 20 minutos, foi muito complicado”.

        Na trama, a jornalista e hacker Lia (Mariana Borges) é convidada a fazer parte da organização “Ada” (grupo com cinco cyberativistas que tentam derrubar os poderosos por meio de leilões de informação e grampos de áudios). Apesar de ser lésbica, Lia precisou se casar com o melhor amigo gay para continuar a trabalhar, pois sua opção sexual contraria os estatutos da ditadura que impera nesse Brasil do futuro. As demais integrantes da organização são Jandira (Evelin Buchegger), Lígia (Meran Vargens), Angela (Denise Correia) e Maya (Fernanda Silva).

Curta-metragem independente "Ada", dirigido por Rafaela Uchoa
Mariana Borges e equipe durante as filmagens de ‘Ada”

        Ada foi gravado em maio deste ano, em uma ação conjunta de vários profissionais e empresas parceiras. “Obter financiamento público para um projeto que desafia as estruturas políticas, nesse momento, é quase impossível”, afirma a diretora. “Como o filme é independente, busquei parcerias com produtoras e profissionais que emprestaram seus equipamentos para o projeto. Nas gravações, usamos duas câmeras Blackmagic, uma pocket e uma design cinema, ambas com resolução 4K, bem como lentes de 14mm, 35mm, 28mm, 50mm e 85mm”.

EQUIPE DEDICADA

Curta-metragem independente "Ada", dirigido por Rafaela Uchoa
Equipe de produção do filme “Ada”

No total, a produção reuniu 25 profissionais. Rafaela faz questão de elogiar o elenco talentoso, composto por atrizes com longas trajetórias no teatro e no cinema baianos, assim como a dedicação do pessoal técnico:  Amine Barbuda e Antônio França (direção de arte), Ítalo Parras (assistente de arte), Ana Luiza Penna (direção de som), Danilo Araújo (microfonista), Jeronimo Soffer (direção de fotografia e câmera), Jota Ribeiro (operador de câmera), Nathália Miranda (assistente de câmera), Milena Palladino (still), Zélia Uchoa (making of), André Macedo (eletricista), Moara Rocha, Juliana Vieira e Mariana Borges (produção), Sika Caicó (maquiagem), Anderson Vidal (assistente de maquiagem), Karen Urpia e Petra Sá (figurino), Pablo Oliveira (montagem), Bruno Massato (finalização e colorgrading), Nuno Penna (mixagem e sound design) e Rebeca Matta e Panteras Negras (trilha original).

        Para que o filme tivesse uma atmosfera opressiva e claustrofóbica, como demandava a história, Rafaela concentrou a maioria das cenas no QG das protagonistas. “Eu queria passar a sensação de que elas estavam enclausuradas”, diz a cineasta. “Durante o mês de pré-produção, a locação, que ficava no atelier da diretora de arte, foi toda ‘dressada’ pela arte, além de ter sido necessária a construção de uma parede falsa para deixar o ambiente ainda mais fechado. As únicas cenas externas são a chegada de Lia ao QG da Ada e quando a personagem Maya é abordada por um soldado evangelista”. Segundo a diretora, as sequências foram registradas em Salvador, nos bairros do Rio Vermelho e Federação.      

O projeto ganhou seus retoques finais na etapa de pós-produção. A edição propriamente fita foi feita no Premiére, enquanto as cores foram trabalhadas no Da Vinci Resolve. “Não foi uma pós muito trabalhosa, pois, apesar da vontade de termos mais recursos, o filme foi pensado de acordo com seu orçamento modesto”, observa Rafaela. Ainda segundo a diretora, as músicas compostas para Ada buscaram legitimar o espírito combativo do curta-metragem. “O conceito da trilha é trazer elementos do eletrônico, em alusão às tecnologias que são a base do filme, além do rock, que é um ritmo com um histórico de resistência e luta contra as forças opressoras”, conclui.

Esta e outras matérias você encontra na edição 217 da Zoom Magazine

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