ENTREVISTA COM MARIANA CALTABIANO

Autora do longa de animação Brasil Animado e da série Gui & Estopa, Mariana Caltabiano acha que o 3D é uma tendência irreversível – mas adverte: a tecnologia deve ser usada com critério

Por Eduardo Torelli

Fotos João Lisboa e Divulgação

Mariana Caltabiano conhece muito bem o público infanto-juvenil. Autora de trabalhos pioneiros nesse ramo – como a série infantil Zuzubalândia (com 120 episódios e exibida no SBT) –, ela pilotou, recentemente, outro projeto inovador: o primeiro longa de animação nacional realizado em 3D.

Trata-se de Brasil Animado, que mesclou imagens live action com cenas animadas para contar a história de Stress e Relax, personagens muito bacanas que saem pelo Brasil em busca da árvore mais antiga do país. Por seu ineditismo, a produção já é um divisor de águas – não há dúvida que, no rastro deste projeto, logo virão outros idealizados nas mesmas bases.

Mas será que já é compensador produzir filmes em 3D no Brasil? Estamos “equipados” para competir com projetos do gênero realizados no exterior? O 3D é um “caminho sem volta” no que se refere ao entretenimento popular? Saiba as respostas para essas perguntas nesse bate-papo com Mariana, que atualmente produz a terceira temporada da série de animação Gui & Estopa (exibida pelo Cartoon Network) e que logo voltará ao universo das imagens estereoscópicas no longa-metragem Zuzubalândia 3-D.

EM TERMOS DE RECEPTIVIDADE E DE BILHETERIA, VALE A PENA PRODUZIR FILMES EM 3D NO BRASIL?

Ainda não. Mas é questão de tempo. Não é fácil concorrer com os grandes estúdios, que fazem filmes de pelo menos US$ 100 milhões e que investem outros tantos milhões em divulgação. A tecnologia já existe, as imagens reais em 3D de Brasil Animado são muito bem feitas. Os maiores desafios são vencer o preconceito do público e conseguir mais dinheiro para produzir os filmes. Os projetos nacionais feitos em 2D levaram anos para vencer essas barreiras. Só agora temos sucessos como Tropa de Elite 2, que fez mais de 10 milhões de espectadores. Creio que, dentro de alguns anos, também teremos filmes nacionais em 3D capazes de alcançar grandes bilheterias.

HÁ QUEM DIGA QUE O 3D É UMA FERRAMENTA TÃO FASCINANTE QUE, INADVERTIDAMENTE, PODE “ROUBAR” TODA A ATENÇÃO DO PÚBLICO, DEIXANDO A TRAMA DO FILME EM SEGUNDO PLANO…

Não concordo com esta afirmação. O público já se acostumou com o 3D. Não é mais uma novidade. O principal é – sempre será – a história e a identificação da plateia com os personagens. Acho o 3-D bacana quando nos ajuda a contar uma história. No caso de Brasil Animado, a tecnologia enfatiza as belezas naturais do país e nos dá a sensação de estarmos visitando, com os personagens, nossos principais pontos turísticos.

O 3D É UMA TÉCNICA ANTIQUÍSSIMA, NASCEU PRATICAMENTE JUNTO COM O CINEMA. QUAIS AS MELHORIAS QUE EFETIVAMENTE OCORRERAM NO PROCESSO E QUE JUSTIFICAM ESSA “3D-MANIA” ATUAL?’

A tecnologia foi aperfeiçoada e as histórias dos filmes também são muito boas, especialmente na animação. Todos os filmes da Pixar são ótimos. O público vai assistir com a certeza de que se divertirá. No caso da computação gráfica, o 3D não é tão complicado, pois é tudo feito no computador. Quando são captadas imagens reais é que a coisa “engrossa”. A cada cena, é necessário fazer uma série de cálculos para que o 3D funcione. Isso demanda mais tempo de gravação.

AS EMPRESAS DE ELETROELETRÔNICOS AINDA ESTÃO EMPENHADAS EM DIVULGAR E PROMOVER A ALTA DEFINIÇÃO (NA FORMA DE BLU-RAY PLAYERS E TVS HD). SERÁ QUE O ESPECTADOR QUE AINDA NÃO ADQUIRIU SEQUER UM TELEVISOR DE ALTA RESOLUÇÃO IRÁ INVESTIR EM UMA TV AINDA MAIS CARA, COM TECNOLOGIA 3D?

Esta é uma pergunta difícil. Pessoalmente, creio que o 3D entrará nos lares brasileiros, mas acho que ainda vai demorar… É como a Internet. Comecei a trabalhar com ela há 11 anos. Só comecei a ganhar dinheiro agora.

VOCÊ TEVE MUITA PRÁTICA COM REALIZAÇÃO ANTES DE FAZER SEU PRIMEIRO FILME 3D. ESPECIFICAMENTE, QUE TIPO DE DESAFIO “EXTRA” IMPÕE A CAPTAÇÃO EM 3D? QUAIS SÃO AS PRINCIPAIS EXIGÊNCIAS DO FORMATO NO SET DE FILMAGEM OU GRAVAÇÃO?

A cada cena é preciso fazer um cálculo para ajustar a distância entre as câmeras. Uma câmera representa o olho direito e a outra, o esquerdo. As câmeras são sustentadas por um RIG que tem um jogo de espelhos no meio. Estes juntam as imagens captadas pelas duas câmeras em um só monitor. No set eu podia conferir, no monitor (e usando óculos 3-D), como as imagens se comportariam na tela grande. O equipamento pesa algo em torno de 60 quilos, o que atrapalha o deslocamento em lugares como dunas de areia, por exemplo. Por conta dos cálculos, é preciso mais tempo para ajustar as câmeras antes de começar a gravar.

ALGUMAS PESSOAS DETECTAM, NA EXIBIÇÃO DE IMAGENS EM 3D, UMA FALTA DE NITIDEZ EM TOMADAS COM MUITO MOVIMENTO E TREPIDAÇÃO. ISSO É VERDADE? HÁ “EFEITOS COLATERAIS” NESSA TECNOLOGIA?

Em Brasil Animado, temos poucas cenas de ação – logo, não tivemos esse problema. Mas já vi isso acontecer em alguns filmes. Os “efeitos colaterais” já estão sendo corrigidos. Em minha opinião, o cineasta deve fazer sempre o que for melhor para a história que quer contar. Ou seja: se o 3-D for atrapalhar a história, é preferível não usar. Já o diretor de fotografia, na hora de captar as imagens, deve lembrar que os óculos 3D “comem um pouco da luz”.

COM QUE CÂMERAS FORAM CAPTADAS AS CENAS DE BRASIL ANIMADO? VOCÊ TEVE ALGUM TREINAMENTO PARA LIDAR COM ELAS?

Com duas EX3, da Sony. A equipe da Teleimage que me acompanhou na viagem passou por uma série de treinamentos, inclusive, fora do Brasil. Os especialistas em 3D são: Marcelo Siqueira, Ariel Wollinger, Bruno Coroinha e Marcelo Oliveira. A diretora de fotografia, Maritza Caneca, nunca tinha feito 3D, mas se adaptou rapidamente ao equipamento. A grande diferença é o fato de ter que trabalhar com duas câmeras. O cuidado com a captação das imagens e o trabalho de pós-produção são dobrados.

BRASIL ANIMADO TEVE CENAS LIVE ACTION E ANIMADAS (TODAS EM 3D). QUAIS FORAM MAIS DIFÍCEIS DE FAZER, CONSIDERANDO-SE AS EXIGÊNCIAS DO NOVO FORMATO? AS REAIS OU AS PRODUZIDAS EM ANIMAÇÃO?

As duas. As de live action  são complicadas por tudo que expliquei anteriormente e a animação, por ser toda feita à mão. Quando montei o estúdio, Alexandre Ferreira (diretor de animação) trouxe uma equipe muito boa junto com ele. Usamos animação tradicional (2D) na produção da série Gui & Estopa, exibida pelo Cartoon. Optei por continuar com a mesma linguagem, mesmo em um filme 3-D. A animação em computação gráfica tornaria o projeto inviável devido ao custo. Fizemos uma média de 12 desenhos por segundo de animação. O computador só foi usado para pintar, editar e separar os planos que formam o 3D. Todas as etapas foram trabalhosas.

VOCÊ ACHA QUE O 3D É UM “CAMINHO SEM VOLTA”? DESSA VEZ O FORMATO CHEGOU PARA FICAR?

Acho que o 3D é um caminho sem volta para as grandes produções de animação. Um filme feito em computação gráfica, uma vez pronto, é fácil de se converter para o 3D. O mais difícil é realizar o filme. Em minha opinião, o 2D sempre existirá. Cada vez mais, o que realmente importa é o conteúdo do filme, não seus efeitos especiais. Eu não usaria o 3D em qualquer filme. Por exemplo, o filme Tudo Pode dar Certo, de Woody Allen, é ótimo – mas é todo em cima de diálogos e filmado em locações simples. Não há necessidade de ser em 3D. Quem assiste a um filme como este não busca efeitos especiais.

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