Primavera Nordestina: Cinema Cearense
Saiba mais sobre o cinema questionador do estado nordestino que revelou nomes como Karim Aïnouz, Halder Gomes e Wolney Oliveira
Por Katia Kreutz
Um cinema extremamente libertário, anticonvenções e que foge de categorizações, com temas políticos, identitários, de sexualidade e LGBTQIA+, questões de classe e de territorialidade. Essas são algumas das características dos filmes produzidos no Ceará, de acordo com o jornalista e crítico de cinema Filippo Pitanga, professor da Academia Internacional de Cinema (AIC). “Após muitos anos falando sobre emigrações para fora, em direção às ilusórias oportunidades da região Sudeste, hoje os filmes cearenses falam do retorno ao lar, da revalorização da própria terra e da ocupação desses espaços”, explica.
A chamada Primavera Cearense se originou a partir de políticas públicas das administrações anteriores à atual, quando ocorreu um fomento à Cultura não centralizada no Brasil, de forma a alcançar de maneira mais abrangente regiões que antes eram negligenciadas em editais e outras formas de investimentos. Desse modo, a Cultura e as artes nordestinas cresceram bastantee, consequentemente, também receberam mais visibilidade. Embora se fale muito sobre o cinema pernambucano (certamente um dos marcos da vanguarda do cinema independente autoral e experimental no país), outros estados também começam a alcançar produtividade no mercado audiovisualbrasileiro – entre eles, o Ceará.
Principais nomes do cinema cearense
Foram os coletivos que ajudaram a lançar alguns dos cineastas cearenses que mais se destacam no cenário atual. “Esse cinema não seria o que é na contemporaneidade sem a iniciativa do Coletivo Alumbramento, formado ao longo dos anos por nomes como Danilo Carvalho, Fred Benevides, Gláucia Soares, Ivo Lopes Araújo, os irmãos Luiz Pretti e Ricardo Pretti, Rúbia Mércia, Thaís de Campos, Themis Memória e Ythallo Rodrigues, além de Caroline Louise, Guto Parente e Pedro Diógenes”, destaca Filippo. “A Alumbramento pode ter deixado de existir, mas alguns de seus profissionais agora se concentraram na Produtora Marrevolto Filmes.”
Outro nome imprescindível, de acordo com o professor, é Wolney Oliveira, cineasta, produtor e diretor do Festival Cine Ceará. Este ano, o evento completou sua 29ª edição com um número recorde de filmes cearenses inscritos e selecionados (tanto longas quanto curtas); gerando, inclusive, uma mostra competitiva exclusiva de filmes do estado. “O próprio festival foi um dos grandes responsáveis por auxiliar esse fomento, com forte formação de público ao longo de quase 30 anos; sem falar em oficinas e intercâmbios ibero-americanos que, com certeza, inspiraram também uma consolidação dos estudos e inserção no mercado dos realizadores cearenses”, comenta Filippo.
Ao todo, foram oito longas e 22 curtas-metragens cearenses integrando a programação do evento. Mas essa lista poderia ser ainda maior, já que o festival recebeu inscrições de dez longas e 102 curtas produzidos no estado. “Em 1994, pouco tempo depois do fim da Embrafilme, foram feitos quatro longas em todo o Brasil, entre eles, um do Ceará (A Saga do Guerreiro Alumioso, de Rosemberg Cariry). Agora, são dez filmes cearenses inscritos. Então, decidimos mudar a Mostra Olhar do Ceará para incluir longas. Resolvemos privilegiar a prata da casa, não por uma questão de paternalismo, mas porque são bons filmes”, afirmou Wolney Oliveira, diretor executivo e membro da curadoria do Cine Ceará.
Segundo Filippo, não se pode deixar de mencionar o trabalho da Família Cariry. O patriarca, Rosemberg, educou seus filhos (Petrus e Bárbara) com cinema, assim como alguns familiares, que hoje atuam na área. “Há também outros cineastas cearenses que, mesmo filmando fora da região, tornaram-se algumas das maiores bilheterias do Brasil e continuam a defender e a representar o Ceará em suas produções, como Karim Aïnouz e Halder Gomes”, ressalta.
Características estéticas e narrativas
Conforme explica Filippo Pitanga, os temas das produções cearenses atuais são muito diversos e a estética vai além da aridez que o espectador costumava associaraos filmes da região. “Hoje, temos exemplares futuristas, distópicos, que bebem da fonte do fantástico ou do cinema de gênero, como o noir ou a comédia de costumes”, observa. Além disso, o professor aponta as preocupações técnicas dos cineastas, como a iluminação e os efeitos sonoros extremamente avançados. Entre os profissionais, destacam-se o prolífico Érico Paiva, também conhecido como Sapão, responsável pelo trabalho de som em inúmeras produções cearenses, assim como o cineasta Petrus Cariry, também um exímio diretor de fotografia em filmes realizados por diretores parceiros.
Para o professor, um ponto forte da produção atual é a ressignificação de olhares mais plurais, que incluem pautas LGBTQIA+ e mesmo dramas existenciais. Outra mudança diz respeito ao olhar que o resto do país dirige ao Nordeste, um território muito discriminado – tanto econômica quanto culturalmente – na história brasileira. Se a produção atual é um indicativo para o futuro, o cinema cearense tem tudo para conquistar números ainda mais expressivos, não somente de espectadores, mas de novos realizadores.