FIQUE LIGADO: LENTES
Da pré-história à atualidade, a evolução de uma das descobertas mais elementares do homem: a lente
Por Eduardo Baptista
Apesar de nosso olho conter uma lente – o cristalino -, sua descoberta (bem como as explicações das leis da óptica sobre seu funcionamento) levou milhares de anos para acontecer. No entanto, o contato do ser humano com a lente teve início muito antes: imagens produzidas por elas foram vistas na natureza desde a Idade da Pedra, há mais de 2 milhões de anos.
A água da chuva acumulada nos pingos sobre a superfície das folhas permite observar imagens semelhantes às das lentes, na verdade, porque devido à sua forma, age como se fosse uma delas. O homem pré-histórico já tinha contato com as lentes, embora não soubesse ainda tirar proveito delas e não entendesse seu funcionamento.
Mas o homem, já há quase 3 mil anos, havia observado, também na natureza, a presença de cristais de rocha e sua transparência, permitindo observar as coisas por detrás deles. Alguns, em formato peculiar, apresentavam essas coisas de forma ampliada… e não foi senão através de muitas observações, tentativas e erros que acabou aperfeiçoando esses cristais, dando a eles uma forma abaulada. Isso foi feito em busca de uma interessante propriedade apresentada por esses cristais, quando nessa forma: ampliavam a imagem de objetos vistos através deles.
Por meio do atrito, percebeu-se que o cristal ganhava polimento – a imagem mostrada ficava mais nítida. Os registros mais antigos desses objetos relatam a região ocupada atualmente pelo Iraque, denominada, na época, como Assíria. Próximo da cidade iraquiana de Mosul, em uma região chamada Nínive, foi encontrada uma dessas lentes, datada pelos meios científicos atuais como tendo sido feita por volta de 640 anos A.C. Seu diâmetro, 38mm, não difere muito do diâmetro das lentes de algumas câmeras atuais, no entanto, longe de serem usadas para produzir imagens em superfícies, eram utilizadas para enxergar imagens com ampliação, como uma lupa – o que, segundo alguns historiadores, explica os finos detalhes de trabalhos de entalhe produzidos por esse povo já naquela época. Outro uso era iniciar o fogo concentrando os raios solares sobre determinados materiais.
O Iraque ainda daria outra importante contribuição à história das lentes, através de um tratado escrito por Ibn Sahl quase 1 mil anos D.C. e que versava sobre espelhos e lentes e suas propriedades com relação à refração dos raios de luz, origem da atual Lei de Snell para trabalhar-se com a geometria das lentes. O nome “lente” tem origem na forma com que foi concebida inicialmente (com curvatura para fora em ambos os lados, o que se chama formato biconvexo), semelhante a um grão de lentilha. Hoje, há diversos formatos de lentes.
VÁRIAS LENTES
Aliás, nas objetivas das câmeras, na maioria das vezes, o que existe não é “uma”, e sim, várias lentes. Isso porque a imagem produzida por uma única lente carece de precisão: lentes apresentam diversos defeitos, chamados “aberrações”. Defeitos que podem ser uma simples distorção indesejada na imagem, fazendo com que linhas próximas das bordas fiquem com aspecto curvo – característica marcante das lentes grande-angulares. Mas podem constituir-se, também, na perda de nitidez nas áreas localizadas nas bordas das lentes (aberração esférica) ou distorções em trechos da imagem formados por raios de luz que atingem obliquamente sua superfície (aberração do tipo coma).
Esses defeitos são minimizados através de cálculos de curvatura executados com precisão no bloco óptico, um dos diversos motivos que justificam o alto preço das lentes quando fabricadas para produzirem imagens com grande qualidade. Quando estudamos os conceitos básicos de lentes, aprendemos que os raios de luz as atravessam e, se estão fora de sua parte central, sofrem desvios após a travessia, tanto maiores quanto mais afastados da parte central da lente. A passagem dos raios de luz (e não seu desvio) chama-se refração. Ocorre que, conforme sua cor, esses raios vão-se encontrar em diferentes lugares do outro lado da lente. Assim, por exemplo, a imagem de tudo o que é azul no quadro forma-se antes de tudo o que é vermelho.
Entretanto, o que fazer quando precisamos que a lente forme as imagens sobre um local determinado, o plano focal, onde está o filme ou o sensor (CCD ou CMOS), nem mais para frente e nem mais para trás? Uma outra lente, com material capaz de promover ângulos diferentes de desvio, pode ser “colada” à primeira lente. Com isso, o problema é bastante minimizado. E mais, se a imagem a ser aproveitada for somente a formada pela parte mais central dessas lentes. É por isso que quase todas as objetivas possuem diâmetro bem maior que o da área aproveitada da região onde a imagem é formada.
Outras providências também são tomadas, como recobrir a superfície dessas lentes com camadas especiais, ou mesmo utilizar cristais especiais onde o problema ocorre muito pouco, como a fluorite – outro fator a encarecer as lentes. O material comum (vidro) raramente é utilizado, assim como a versão policarbonato (a dos óculos inquebráveis) em lentes utilizadas em câmeras profissionais.
Por essa razão, normalmente as objetivas são formadas por diversas lentes. A grosso modo, podemos dizer que uma compensa as aberrações das demais. Não é raro encontrar objetivas, especialmente as do tipo zoom, formadas internamente por mais de dez lentes. Isso influi em seu peso, claridade (=luminosidade) e capacidade de produzir imagens com boa qualidade.
ÓPTICA “AVANÇADA”
No princípio, no entanto, uma única lente era utilizada nas câmeras fotográficas, tendo sido derivada da lente côncavo-convexa (formato de seus lados) inventada em 1804 pelo inglês William Wollaston para ampliar região de nitidez dos óculos até então usados para fora de sua área central. Ela também melhorava a qualidade da imagem produzida pelas lentes biconvexas simples, o mesmo tipo utilizado pelo francês Niépce em sua primeira e histórica fotografia – mais tarde ele também adotaria esse tipo de lente para registrar imagens.
Hoje, a óptica avançou muito e grandes fabricantes oferecem objetivas com diversos elementos (lentes) em seu interior – e ainda assim, mantendo grande luminosidade e precisão de imagem. Essa característica – luminosidade – é preciosa para diversos tipos de trabalhos em fotografia, cinema e vídeo. Se a objetiva é bastante luminosa, admite bastante luz e permite trabalhar com ajustes pequenos de íris. Pouca luminosidade exige aberturas maiores e nem sempre suficientes, passando a demandar complemento de iluminação externa, o que, muitas vezes, pode encarecer produções (cada ponto de abertura a menos na objetiva corresponde à entrada de metade da luz do ponto imediatamente superior).
Outro fator que aumentou o nível de qualidade das lentes foi a presença cada vez maior do HD em vídeo. O cinema sempre possuiu suas lentes, em um patamar de custo que justificava a alta resolução necessária para a formação de imagens em películas. Isso porque lentes fabricadas com menos cuidados e materiais inferiores não conseguem produzir imagens suficientemente livres de defeitos que poderiam ser notados em uma grande ampliação (a tela dos cinemas).
Já o vídeo não convivia com essa realidade até a chegada das imagens em HD e dos televisores de alta resolução. Nessa nova situação, os menores defeitos são notados, o que exige maior precisão e custo na fabricação desses materiais ópticos. Diversas câmeras de vídeo em segmentos mais voltados a aplicações profissionais possuem correção de possíveis aberrações via software, dentro da própria câmera (on-board). O usuário, após carregar na memória uma tabela com especificações de alguns tipos de objetivas que podem ser utilizadas, estabelece o reconhecimento e as correções automáticas feitas pela câmera a cada troca de objetiva.
Sofisticações muito distantes da imaginação do homem pré-histórico e de seus pingos de chuva nas folhas. E que não devem parar por aí, levando-se em conta o avanço constante da tecnologia.