Um guia sobre movimento de câmera

De uma arte “estática”, os filmes evoluíram para autênticos “exercícios de movimento”. Vale tudo na busca pela melhor forma de enquadrar um ator ou objeto

Por Eduardo Baptista

Hoje, se há algo no cinema que realmente pode se movimentar no set de filmagem é a própria câmera: a tecnologia permite, já há alguns anos, os movimentos mais incríveis de captação. Uma câmera presa a uma cabeça remota na ponta de uma grua pode descrever movimentos programados e executados por computador, com suavidade e grande precisão. Ou, então, passear através dos mais complicados cenários, suspensa suavemente em equipamentos como o Steadicam. Esses movimentos tornaram-se comuns e não surpreendem mais o público – muitos já nasceram na era da computação e dos jogos eletrônicos, que reproduzem, em animações, movimentos complexos de câmera.

Mas nem sempre foi assim: o cinema nasceu (confira nosso especial sobre a história do Cinema Latino-Americano) como uma evolução do teatro, na realidade, trazendo a possibilidade de se registrar o que era representado e permitindo a divulgação desses dramas a um público maior. Ora: esse público ficava sentado confortavelmente, estático, assistindo ao que se passava diante dele. Assim, nada mais natural do que colocar a câmera, nos filmes, como se fosse um espectador de teatro: estática, sobre um tripé igualmente imóvel. Eram os atores ou objetos, como carros, trens, etc., que se moviam, não a câmera. Pensava-se, na época, que movimentar a câmera poderia confundir o entendimento do público em relação ao que era mostrado. Esse pensamento também passou, nos primórdios da arte, pela edição: trocar a posição cronológica da captura das cenas confundiria, do mesmo modo, o espectador.

Dessa forma, mais por esses motivos e menos por razões tecnológicas, nos primeiros filmes a câmera não se mexia. Do mesmo modo, reproduzia a sensação de alguém sentado em um local privilegiado da plateia, ou seja: nada de planos próximos, como close-ups ou primeiros planos, mas uma visão sempre geral, aberta, a mesma da plateia diante de um ator interpretando e cercado pelo resto do elenco e de objetos que, naquele momento, não têm qualquer participação na cena. Mais tarde, o cinema descobriu como levar o espectador para cima do palco, literalmente, colocando-o “cara a cara” com o ator – no enquadramento de close-up, por exemplo.

A partir daí, diversos movimentos foram criados e tornaram-se clássicos no cinema. Excetuando-se os complexos malabarismos executados pelos operadores de Steadicam e as cabeças remotas, podemos classificar, academicamente, os principais que encontramos no cinema e no vídeo com as seguintes denominações e significados:

PAN

(Panorâmica ou Panning): movimento efetuado com a câmera horizontalmente, em velocidade lenta e de um lado para o outro. Para efetuá-lo, a câmera pode estar segura pelas mãos ou afixada a um monopé ou tripé. Neste último caso, trava-se, no mesmo, através de uma alavanca, a movimentação vertical de sua cabeça. Assim, o único movimento efetuado pela câmera é o horizontal, conhecido como pan.

TILT

Efetua-se com a câmera verticalmente, em velocidade lenta e de cima para baixo (ou vice-versa), revelando algo para cima ou para baixo do ponto de vista do espectador. Para isso, a câmera pode estar segura pelas mãos ou afixada a um tripé. Neste último caso, trava-se, no mesmo, através de uma alavanca, a movimentação horizontal de sua cabeça. O único movimento efetuado é o vertical, conhecido como tilt.

WHIP PAN

(Swish Pan): o movimento efetuado com a câmera é o mesmo feito em pan, porém, com velocidade bem maior. A câmera que está enquadrando a pessoa ou objeto “A” desloca-se repentina e rapidamente para a esquerda (ou direita), em busca de uma pessoa ou objeto “B”. Durante o deslocamento, a imagem torna-se “borrada”, não permitindo distinguir acuradamente os objetos durante o trajeto. O movimento whip pan pode ser utilizado para indicar passagem de tempo na trama ou uma mudança de local. Neste caso, durante a edição (ou montagem na própria câmera, em tempo de gravação), são justapostos dois movimentos de whip pan: no primeiro, a câmera está enquadrando a pessoa / objeto “A” e desloca-se para a direita (ou esquerda). A gravação é, então, interrompida na metade do movimento (ou isto é feito em tempo de edição). A seguir, em outra locação, a câmera inicia a gravação em whip pan e desacelera rapidamente, até enquadrar a pessoa / objeto “B”. Já que, mesmo borrados, os fundos das imagens nos dois whips mudam de cor e aspecto no meio do movimento, transmite-se a noção de passagem de tempo ou de mudança de local.

PEDESTAL

Subida e descida da câmera ao longo de um eixo vertical. O movimento, que também recebe os nomes crane, craning, boom ou booming, é efetuado através de uma grua.  O nome “pedestal” também se refere a uma pequena plataforma encontrada em tripés do tipo fotográfico, fixada à sua coluna central. Permite efetuar um ajuste suplementar na posição final da câmera (altura), após terem sido as pernas do tripé ajustadas. Geralmente, possui uma alavanca que pode ser girada, fazendo com que a plataforma suba ou desça, e uma trava para fixar a mesma na posição desejada (ou, então, somente a trava, sem a alavanca, em modelos mais simples). A cabeça do tripé é presa a esta plataforma. O uso desse tripé não é recomendado em cinema e vídeo: além de inviabilizar movimentos suaves com a cabeça, também não permite o acionamento desta alavanca (nos modelos que a possuem) durante a gravação sem o risco de trepidações.

TRACKING

Nome utilizado para indicar a movimentação da câmera quando apoiada em um suporte do tipo dolly (visto mais adiante). O termo alternativo, em francês, é charriot. Esta movimentação pode ser de vários tipos: para frente (forward ou dolly in), em sentido de aproximação ao objeto / pessoa ou para trás (backward ou dolly out). O movimento para frente é utilizado para chamar a atenção do espectador sobre determinado assunto, para preceder à introdução de um novo personagem e para indicar a gravação a partir de um veículo que se move para a frente (point-of-view), entre outros. O movimento para trás é utilizado para revelar elementos que compõem determinada cena, diminuir a importância do objeto/pessoa focalizada ou indicar a gravação a partir da parte de trás de determinado veículo, entre outros.

O movimento pode, também, ser transversal (ou truck), no qual a câmera é deslocada lateralmente em relação ao próprio eixo. Quando os trilhos são curvos, descrevendo um arco em torno da cena a ser gravada, o termo utilizado é arc ou circling. O movimento transversal é utilizado para revelar o ambiente no qual as pessoas/objetos estão, mostrar seus vários lados (destacando sua tridimensionalidade) ou, simplesmente, passar através da cena.

Um dolly efetuado para frente (ou para trás) é diferente, no resultado final da imagem, de uma aproximação efetuada com a lente zoom. Além desta não alterar a perspectiva (tamanho aparente de um objeto em relação ao outro), somente aumentar ou diminuir as proporções de maneira uniforme, há uma diferença em relação ao cenário focalizado. Com a câmera efetuando um movimento de dolly aproximando-se de uma pessoa, por exemplo, o cenário ao redor passa lateralmente, em cima e embaixo, em relação à câmera, para trás. No mesmo movimento efetuado com a lente zoom, as partes todas aparecem na imagem como se movessem para fora da tela, em todas as direções.

Já um dolly efetuado com movimentação lateral da câmera (transversal) é mais “presente” do que a simulação do movimento através de uma panorâmica (pan). Enquanto esta é “passiva”, o dolly lateral participa mais da ação, acompanhando o movimento dos personagens lado a lado.

TRAVELLING

Nome dado ao movimento de tracking do tipo transversal onde, além da câmera se deslocar, também a pessoa / objeto o faz. Um uso típico é, por exemplo, acompanhar a caminhada de duas pessoas conversando ao longo de uma calçada.

BOOM

(Booming): nome dado ao movimento do tipo pedestal efetuado com a câmera.

CRANE

(Craning): nome dado ao movimento do tipo pedestal efetuado com a câmera e, também, ao suporte semelhante ao dolly, porém, com sua haste podendo atingir até 15 metros de comprimento.

DOLLY

(Truck): nome dado ao conjunto tripé + rodízios. Passível de “correr” livremente ou ser guiado sobre trilhos, o conjunto (que pode ser mais sofisticado e incluir uma plataforma em que os rodízios são fixos e o tripé é colocado sobre a mesma; ou, mais ainda, onde, a partir da plataforma, parte uma haste com até quatro metros de comprimento, suportando a câmera e/ou operador em sua extremidade) permite efetuar movimentos suaves de deslocamento lateral ou para frente e para trás com a câmera. A trepidação é evitada se a superfície é lisa e plana ou se forem utilizados trilhos para guiar as rodas.

Dolly in: outro nome dado ao movimento de tracking do tipo forward, efetuado pela câmera montada em um carrinho (dolly).

Dolly back: outro nome dado ao movimento de tracking do tipo backward, efetuado pela câmera montada em um carrinho (dolly).

Dolly out: movimento da câmera montada em um carrinho (dolly), onde a mesma abandona o enquadramento de uma pessoa / objeto, verticalmente, horizontalmente ou em diagonal. Combina o dolly back com a movimentação da câmera, passando a apontar para outros locais da cena. Enquanto, no movimento dolly back, a pessoa / objeto mantém-se enquadrados, no dolly out este enquadramento deixa de existir, à medida que a câmera se afasta.

ROLL

Movimento efetuado com a câmera em torno do eixo de suas lentes.

Como se vê, descobriu-se que o grande atrativo do cinema em relação a outras formas de narrativa – além da edição, é claro! – residia, justamente, em sua “liberdade de movimentos”. É por isso que, quase sempre, “ficar parado” é a pior escolha que um diretor pode fazer.

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